Mercado em expansão tem atraído muitos investidores e novas práticas. Mais incentivos trariam melhorias ao setor e aos clientes, dizem profissionais.
O mercado de cervejas artesanais em Ribeirão Preto (SP) desperta o paladar dos fãs da bebida e atrai o interesse de pessoas que antes ignoravam seus prazeres. A variedade de produtos tem conseguido mudar o padrão de consumo e as escolhas dos consumidores. Dessa forma, boa parte do público já tem modificado os hábitos de forma quase que natural, bebendo menos, mas bebendo melhor.
Outra mudança é o flerte para novos empreendimentos no setor. De olho nas novidades, empresários apostam em produções inusitadas como alimentos, que levam cerveja em sua composição, e na fabricação de bebidas por meio do crowdfunding - financiamento coletivo.
Segundo o empresário Walter Soares, da Guilda GIV, o que acontece atualmente no mercado brasileiro de cervejas é o que ocorreu no mercado de vinhos no país nos anos 1980. Soares diz que, na época, havia vinhos populares, como o Chapinha e o Sangue de Boi, e que todos eram doces e muito parecidos. Até que opções de importados começaram a ganhar mercado. De repente, as pessoas começaram a se interessar por aquilo e era chique, era nobre. Hoje, brasileiro consome um volume de vinhos importados de todas as nacionalidades, e o Brasil é um dos principais mercados mundiais em consumo de vinho de alto valor de rótulo, afirma.
A história do sommelier e dono do Empório Toscana, Almir Tavares, confirma a fala de Soares. Ele diz que apostou suas fichas no vinho, no entanto, a cerveja especial tomou conta da casa. Segundo Tavares, 60% dos produtos da loja são bebidas alcoólicas, e desse montante, 60% são cervejas, sendo as artesanais as mais procuradas pelos clientes. Na época de calor, minha venda em cerveja chega a ser 70% da venda total da loja, explica.
No entanto, o mercado brasileiro ainda está em crescimento. Um dos idealizadores do crowdfunding Social Beers, Matheus Franco, faz uma comparação ao mercado americano, o maior do mundo em produção artesanal. Ele diz que nos Estados Unidos abrem, em média, uma e meia cervejaria artesanal por dia. Portanto, a quantidade em produção lá é muito maior que a brasileira, mas que a região de Ribeirão Preto tem uma economia muito grande e potencial de gerar renda. O mercado ainda é um bebezão, isso porque temos muita dificuldade com a legislação. É tudo engessado. Produzir em um bar é complicado, ninguém sabe como funciona e os fiscais não sabem bem o que autorizar ou se podem autorizar. Em algum momento temos que solucionar esse dilema. Acho que para crescer o mercado artesanal, tem que crescer o mercado do cervejeiro amador. Sou otimista. A longo prazo, vamos reunir forças e conduzir melhor, afirma.
Para um dos donos do brewpub Weird Barrel em Ribeirão Preto, Rafael Moschetta, o boom de vendas ainda não aconteceu. Ele acredita que o movimento está começando a ganhar força, mas que ainda há muito espaço para crescer. Segundo Moschetta, o Brasil ainda está no primeiro estágio e a cada dia surgem mais pessoas interessadas em entrar no mercado, sendo que muitas delas não possuem bagagem empresarial no setor. É um processo em cadeia que aumenta o mercado na cidade e, eu acho que, se a prefeitura resolver olhar pra isso como um grande potencial de atração turística e ver que Ribeirão tem esse potencial do turismo cervejeiro altíssimo e resolver investir nisso, então a cidade conseguirá trazer de volta essa marca de cidade cervejeira do Brasil, mas precisa de apoio público. Não dá só para os empresários fazerem isso, afirma.
Os profissionais afirmam que a falta de incentivo impede o crescimento do mercado. Se houvesse alterações, aumentaria a produção com a abertura de mais cervejarias. O imposto mata a cervejaria artesanal, porque a cerveja é vista como bebida alcoólica e acham que haverá malefícios, o que não é verdade, porque ela vai custar, pelo menos, o dobro do valor de uma padrão. O governo tem que olhar isso de forma diferente, todas as autoridades, afirma Franco.
Sem contar que, segundo os especialistas, para os bebedores de artesanais existe um lema: Beba menos, beba melhor. Para os profissionais, quando se bebe melhor, naturalmente se consome menos. Os consumidores passam a apreciar e beber porque gostam, e não apenas para socializar. O que tem que se levar em consideração é que a cerveja é também uma bebida nobre, ela não é para qualquer tipo de público, a qualquer momento. Ela merece um lugar melhor do que ela está hoje, diz Danhone.
Para Moschetta, a cerveja é para ser celebrada, mas a sofisticação não é uma premissa. Nosso posicionamento [de abrir um pub com temática de pirataria] não vai agradar todo mundo, mas o que a gente está questionando é a sofisticação em excesso. A cerveja tem que ser valorizada sem ser afrescalhada, e tem que ser brindada em conjunto. Você pode tomá-la sozinho, mas não acho que é para isso que ela nasceu, afirma.
Descobridores de cervejas
Contudo, a região de Ribeirão Preto está à frente de outras e, para os empresários, a mudança de comportamento do consumidor é visível e ocorre de forma natural. Para Tavares, existem alguns perfis de consumidores: tem a pessoa que é sedenta por novidades e tem o público que já sabe a que veio. O sommelier diz que há uma demanda crescente de pessoas começando a provar a bebida. Segundo ele, o consumidor começa a se interessar pelo produto artesanal e, em um ano, não toma mais as cervejas mainstream - de grandes marcas, o que caracteriza uma curva. O público que já sabe o que quer é o melhor para mim, porque se eu depender de trazer novidades, não me sustento. Nessa questão da curva, tem o Francisco, um chileno que trabalhou aqui. Ele gostava de sentar e tomar uma caixa de cerveja, e em quatro meses diminuiu o ritmo. A grande sacada é quando você perde o hábito de beber rápido e procura aroma e sabor, explica.
Até os anos 1990, existiam os bebedores de uma marca e bebedores de outra. Todos consumiam um só estilo, mas um bebia Brahma, o outro Antárctica, Skol, e elas tinham diferenças entre si no paladar, conta Soares. Atualmente, não há diferença alguma entre elas, e é aí que o movimento das artesanais ganha força, atraindo pessoas que buscam algo diferente. Havia um estilo e várias marcas. Hoje, a gente tem vários estilos e poucas marcas, mas temos opções, um pouco mais de liberdade para escolher o que você quer beber.
De acordo com o empresário da Guilda GIV, Gustavo Danhone, toda pessoa que começa a tomar uma cerveja diferente, começa pela pilsener. O próximo estágio é consumir as bebidas de trigo, tidas como mais encorpadas. Em seguida, o consumidor descobre as cervejas belgas, mais adocicadas e aromáticas. Ele pensa: nossa, isso não pode ser cerveja!, no caso da Tripel Karmeliet, todos ficam impressionados. O primeiro dado de que seu paladar está evoluído é quando você começa a gostar de amargor. Nesse momento todo mundo vira hophead [com mania de lúpulo], explica.
Provar cerveja não é mania só dos jovens. A degustadora Lucia Del Lama, de 58 anos, experimenta a bebida desde os 25 anos. Lucia conta que o que mais a atrai é o fato da cerveja estar sempre presente em reuniões e comemorações de amigos e familiares.
O professor de literatura Melécio Junior, de 45 anos, diz consumir cerveja em primeiro lugar pela qualidade, pelo trato dado ao produto até chegar ao consumidor, desde a produção, passando por envasamento, rotulagem, além da relação custo-benefício, que é muito positiva. Ele também considera, assim como os empresários, que o mercado pode se tornar melhor se o governo olhar com mais respeito pelo universo dos produtos artesanais e repensar os impostos incidentes sobre essa categoria e insumos em geral.
Mais empreendedorismo
Mais do que formar um novo mercado e mudar o perfil dos consumidores, as cervejas artesanais também trouxeram produtos e empreendimentos inovadores, como é o caso da Social Beers, que surgiu como um crowdfunding. Funciona desta forma: os empresários elaboram a receita e o conceito do produto e lançam no site. Quanto mais o consumidor compra em litros, mais prêmios ele ganha, como camisetas e canecas. Se as compras não atingem a quantidade mínima de produção em determinado limite de tempo, a cerveja não é produzida.
O empreendimento foi fundado em abril de 2013 e teve cinco produções de sucesso em um ano, sendo que três deles foram pedidos de terceiros. A cerveja Sexta-feira foi a primeira, lançada no dia 21 de fevereiro com data limite para 17 de março, com mínimo de mil litros para ser produzida. Em 20 dias, bateu a meta e produzimos 1.270 litros, com o total de 494 participantes. O número só aumentou com o tempo, conta Franco.
Surgiram também a rede social Bier Society, as festas especializadas, como o Slow Brew Brasil, o IPA Day, produtos como sabonetes, sorvetes e até molhos feitos com cerveja.
A chef de cozinha e dona da Casa de Criações Culinárias, Sabrina Gali, desenvolveu os pães EYB, sigla em inglês para Eat Your Beer, em português Coma Sua Cerveja. Os produtos estão à venda sob encomenda. Como existe uma infinidade de pratos, sobremesas e pães que podem ser preparados com estilos diferentes de cerveja, o cliente também pode pedir o orçamento de alguma receita ou preparação que não conste no cardápio. A partir de uma quantidade mínima, o produto será desenvolvido de acordo com o pedido. Sempre gostei de fazer pães em casa, para meu consumo próprio mesmo, e em um evento de harmonização com cervejas, sugeri fazermos os pães que seriam servidos com a própria cerveja que seria usada para harmonizar. Foi um sucesso, e a ideia foi crescendo, até que virou uma marca e uma linha de produtos, diz Sabrina.
Um dos cinco blogs mais acessados do setor no Brasil é de Ribeirão Preto. O Fullpint fez cinco anos em abril e surgiu da vontade de Fabrício Santos compartilhar e registrar as cervejas que degustava. Para o blogueiro, o mais importante é passar informações corretas aos leitores, afinal, por meio do blog, Santos começou uma confraria, que hoje já tem membros mais conhecedores do que ele mesmo.
Santos ressalta que há necessidade das pessoas e as mídias darem visão aos blogs de cerveja. Queria que entendessem que a melhor maneira de se atualizar é com quem se atualiza todo dia. Não vivo do blog, mas me dedico ao máximo para que tenha sempre algo relevante e interessante a passar. Gosto de cliques, mas respeito muito mais quem clica. Todos hoje são muito instruídos, sabem o que querem e onde procurar. E eu acho o máximo estar à frente, ajudando a trilhar o caminho da cerveja artesanal no Brasil, diz.
Elas entendem de cerveja
O setor também está mudando a forma de ver as mulheres. Muitas profissionais renomadas mostram que mulher pode entender e fazer cerveja tão bem quanto os homens. Só na Cervejaria Colorado em Ribeirão Preto são duas - a supervisora de produção Fernanda Ueno e a supervisora do controle de qualidade Fernanda Reche.
Na Cervejaria Invicta, o controle de qualidade é feito pela engenheira de alimentos, Carolina Okubo. Ainda tem preconceito, acham que o trabalho de uma mulher cervejeira não será tão eficiente como de um homem, mas é sim. Ao mesmo tempo que cobram demais, por ser um mundo ainda muito masculino, eles esperam menos, conta Ueno.
Outras mulheres que dominam o mercado são a sommelier Carolina Oda, que já passou na cidade para realizar uma das aulas do curso Science of Beer, coordenado pela também engenheira de alimentos e sommelier de cervejas, Amanda Felipe Reitenbach. Ribeirão Preto surgiu como uma excelente oportunidade. A cidade já tem uma cultura cervejeira em desenvolvimento há mais tempo que muitas capitais do país, e conta com cervejarias reconhecidas nacional e internacionalmente. Em um contato com o Rodrigo Silveira, da Cervejaria Invicta, ele me falou de sua ideia de trazer o Sommelier de Cerveja para a cidade (na época já estávamos divulgando a primeira turma em Florianópolis). Formamos duas turmas de Sommelier de Cerveja na cidade e pretendemos voltar a Ribeirão em 2015.
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